domingo, 20 de maio de 2012

IMENTOS - DEPOIMENTOS - DEPOIMENTOS- DEPO

A partir de hoje o Blog passa a divulgar alguns relatos envolvendo o aborto. São histórias reais, por isso será preservada a identidade dos envolvidos.

Meus pais tiveram dez filhos. Viviam na roça, por isso os oito primeiros partos foram em casa. Até o quinto filho tudo correu bem, mas a partir do sexto mamãe passou a ter fortes hemorragias, somente estancadas a peso de muita reza.
Quando mamãe estava grávida pela nona vez, viemos morar na cidade (na verdade quase uma aldeia), mas na hora do “vamos ver”, minha avó paterna que era parteira das boas, segundo a vizinhança, fez questão de cuidar de tudo. Que médico que nada! Isso era bobagem, coisa de gente metida a besta. Além do mais, havia apenas um médico e era homem! Vê lá se mamãe ia se expor!
Bom, o fato é que os dois anos que transcorriam sempre entre um filho e outro, traziam o esquecimento dos últimos dissabores e lá se foram as duas para o quarto, promover a vinda à luz de mais um ser humano.
O parto foi extremamente complicado e a bendita(!..) hemorragia (sempre ela) veio novamente, só que desta vez, parecia saber que havia recursos e quase levou mamãe.
Mas vovó queria mostrar que era mesmo habilidosa naquilo que fazia e resolveu que ia dar conta do recado sozinha. Nada de chamar o médico.
Só que o caldo entornou! Colocaram velas nas mãos de mamãe (era uso fazer isso quando a pessoa estava morrendo, para que sua alma chegasse iluminada ao céu), e enfim chamaram o tal Doutor!
Não se sabe como, mas ele ressuscitou mamãe. Alegria geral e repouso absoluto! Nada de novos filhos, viu?
Mas que repouso que nada, a criança, antes de completar dois meses de vida adoeceu e não havia lavagem intestinal ou remédio caseiro que desse jeito. Não queria se alimentar e chorava o tempo todo, gemendo de dor.
O Doutor novamente veio para “salvar a lavoura”. Era uma tremenda ironia. Os oito criados na roça em meio a porcos e germes sempre saudáveis e aquela pobre infeliz, nascida “dentro do recurso” teve que partir tão cedo. Vítima de uma meningite, nada segurou aquele fiapo de vida, que mal se iniciara. Não chegou a completar três meses. Mamãe, sem repouso, abatida e angustiada, embalava em seus braços a criança morta. Quase foi junto! Não bastasse seu já frágil estado de saúde, teve que conhecer ali, cruamente e de forma abrupta, a dor de perder um filho.
Dor que só seria aplacada se viesse outro em seu lugar. Mas e o Doutor? Ele disse que não podia! Ah mas as rezadeiras da vila tinham suas receitas pra isso também: Mulher tinha que cumprir integralmente sua missão de ter filhos até o esgotamento orgânico. Nada de operar. Isso era coisa de Satã (Cruz Credo! Vade Retro!).
Por uma razão ou pela outra, o fato é que mamãe não operou. Pior: Logo estava grávida novamente, para desespero do médico, Dr. Saul, que a esta altura já era amigo da família.
Falou com ela: Tem que tirar! A Senhora tem que acabar de criar os oito que estão aí. Não sobreviverá a mais um parto!
- “O Senhor está brincando? Quase fiquei louca porque perdi um filho, agora vem me dizer para matar outro? De jeito nenhum! Seja o que Deus quiser!”
Esta foi a resposta de mamãe, do alto de sua fé inabalável.
Dr. Saul (nome fictício) não se aborreceu. Compreendia o sentimento materno. Teria que falar com alguém mais racional. Chamou papai. Repetiu tudo: Ele tinha que demover mamãe daquela teimosia.
De novo recebeu como resposta: “Vai ser como ela falou”.
E lá se foi o Doutor, matutando uma forma de salvar aquela renque de crianças de perder a mãe tão cedo.
Decidiu que levaria mamãe ao hospital pretextando um problema qualquer. Faria o aborto e a laqueadura.
Disse à família que a cirurgia seria para evitar as hemorragias.
Mamãe foi. Só que lá, já na precária mesa de cirurgia, teve um pressentimento.
Brava, ralhou com o Doutor. Ai dele se fizesse aquilo!
Não fez. Laqueada, mamãe agüentou firme até a hora do parto, sofrendo intimamente todas as angustias da situação. Um de seus maiores temores era deixar papai sozinho, com aquele bando de bocas para alimentar.
Firme em suas convicções fez uma trilha de novenas, terços, rosários, trezenas, sei lá mais o quê, até que venceu o prazo.
Nasce uma menina raquítica. Mamãe sobrevive. A fé venceu!
Ainda muito frágil, mamãe estava fora de perigo (sobretudo do perigo de uma nova gravidez). A menina raquítica passou a infância a peso de antibióticos, dentinhos escurecidos... mas sobreviveu. Cresceu, formou-se, casou-se. Teve um filho.
Mamãe, que na época tinha seus quarenta, viveu mais de oitenta anos, lúcida, saudável, feliz, com a consciência inteiramente livre.
A menina raquítica cuidou dela por longos anos e agora ajuda a cuidar do pai doente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que história emocionante!! E tão bem contada!! Chorei o tempo todo...

Beijos,

Lúcia

"O BOM SAMARITANO AVARÉ" disse...

Oi Lucia:

Obrigada pelo comentário. Também achei a história linda. Uma força extraordinária desta mae, e um sofrimento contido no silêncio das preces pelos longo nove meses de gestação. Ela certamente será recompensada. Aguarde novos e lindos casos.
Beijo
Adelina