
Colaboração Leandro Conforti componente da Diretoria do Bom Samaritano.
Inicialmente cumpre destacar que nossa legislação nada dispõe a respeito desse assunto. Não autoriza expressamente a adoção por casal homossexual, nem a proíbe. Certamente em razão do preconceito ainda reinante em nossa sociedade, imatura para discutir questões relevantes como esta, nem mesmo a Lei 10.406/2002 (Novo Código Civil) foi capaz de acompanhar a necessidade veemente de regulamentação das uniões homoafetivas e, conseqüentemente, da adoção por casais homossexuais.
Assim, as controvérsias existentes sobre o tema têm necessariamente de ser solucionadas pelo Poder Judiciário, que não pode se eximir de decidir o caso concreto sob o argumento de ser a lei omissa.
A discussão primeira a ser levantada num caso como esse é se uma união homoafetiva integra ou não o conceito de família. Logicamente que a resposta será negativa se forem tomados por base conceitos ultrapassados, segundo os quais família seria uma entidade composta por um homem e uma mulher (matrimonializada), com finalidades exclusivas de procriação e aquisição de patrimônio.
No entanto, segundo o Direito de Família moderno, baseado nas disposições da Constituição Federal de 1988, o atual conceito de família prioriza, independentemente do sexo de seus componentes, o laço de afetividade que os une, ensejando também uma reformulação do conceito de filiação, que se desprendeu da verdade biológica e passou a valorar muito mais a realidade afetiva.
Assim, a família passou a ser entendida e considerada como um agrupamento aberto, multifacetário, irradiador da felicidade de cada um dos seus membros, onde o afeto é o único requisito exigido para sua constituição.
Como bem ensina o ilustre jurista Luiz Edson Fachin, “a família atual é eudemonista, ou seja, aquela que se justifica exclusivamente pela busca da felicidade, da realização pessoal dos seus indivíduos. E essa realização pessoal pode dar-se dentro da heterossexualidade ou da homossexualidade. É uma questão de opção, ou de determinismo, controvérsia esta acerca da qual a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva, mas, de qualquer forma, é uma decisão, e como tal, deve ser respeitada”.
O Direito como um todo, principalmente o Direito de Família, não é uma ciência estática, devendo evoluir de acordo com que evoluem os fatos sociais, abarcando-os, a fim de que não fiquem ausentes de regulamentação, acarretando a tão indesejada insegurança jurídica.
Apesar da omissão do legislador, o Judiciário vem se mostrando sensível aos fatos da vida moderna, abrindo-se, ainda que lentamente e com posições isoladas de alguns Tribunais, a esses novos conceitos. Já existem acórdãos (poucos, mas com relevantes fundamentações) reconhecendo as uniões de pessoas do mesmo sexo como uniões estáveis (estas integram o conceito legal de família previsto na Constituição Federal de 1988), admitindo, por conseqüência, a adoção por famílias homoafetivas.
Por esse prisma, não há qualquer impedimento legal para que a adoção ocorra. O único impedimento que ainda impera e encontra-se arraigado na sociedade como um todo é o preconceito, fomentado muitas vezes por religiões dogmáticas, que admitem apenas a família constituída pelo casamento como legítima e digna de reconhecimento perante os homens e perante Deus.
Além disso, não são poucas as religiões que pregam a homossexualidade como pecado, desvio dos padrões éticos de conduta, comportamento ultrajante e merecedor de repúdio social.
Não podendo deixar de lado mais uma vez o aspecto legal que envolve o tema, tais proposições preconceituosas, além de contrariarem os princípios básicos de uma religião que realmente pretende cumprir o seu papel, qual seja, o de melhorar o homem e fazê-lo voltar-se a Deus, contrariam brutalmente os princípios constitucionais da igualdade, da não-discriminação e da dignidade da pessoa humana (fundamento da República Federativa do Brasil), não podendo ser admitidas.
Bem, concluindo que uniões homoafetivas integram o conceito de família, a orientação sexual não pode servir de base para distinguir casais heterossexuais dos homossexuais, e muito menos de argumento para impedir, por estes últimos, o exercício do direito de adotar (fator discriminatório).
Superada essa questão, o principal requisito a ser observado para que a adoção seja deferida, dentre outros, é o efetivo benefício para o adotando (art. 1.625 do Código Civil).
Nesse aspecto, argumentam os mais conservadores que nenhum benefício teria o adotando, já que a orientação sexual dos pretensos adotantes o influenciaria, condenando-o irremediavelmente a ter um futuro sexualmente desviado.
Pesquisadores sobre o assunto afirmam que há estudos especializados que indicam não haver, no que tange ao risco de desvio sexual, qualquer inconveniente que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, “pois o que importa é a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o seio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores”.
A preocupação dos conservadores, s.m.j., configura mais uma vez o tão repudiado preconceito, desprovida de qualquer base científica, sendo na maioria das vezes hipócrita.
Oportuno transcrever parte da crônica de Marcos Rolim intitulada de “Casais homossexuais e adoção”, extraída do site http://www.rolim.com.br/cronic162.htm, que com muita propriedade refuta a aludida argumentação conservadora, confira-se : “Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos, porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer: - "Sim, é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais" ? Ora, tenham a santa paciência. O que todas as crianças precisam é cuidado, carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo? Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir que a orientação sexual dos pais não informa nada de relevante quando o assunto é cuidado e amor para com as crianças. Poderíamos acrescentar que aquela circunstância também não agrega nada de relevante, inclusive, quanto à futura orientação sexual das próprias crianças, mas isso já seria outro tema. Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: - "que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças?"
Ora, não é a orientação sexual que determina se o indivíduo apresenta conduta que possa prejudicar o desenvolvimento de um menor sob seus cuidados, mas sim seus valores éticos, morais, religiosos, afetivos, equilíbrio emocional etc.
O pensamento espírita não dissona dessa conclusão. O espírito Camilo, por meio da psicografia de J. Raul Teixeira, em “Desafios da Vida Familiar”, ensina, quando indagado sobre o tema, que “o Pai Criador vê sempre as intenções que inspiram as ações. Assim, vale refletir que o amor que se dedica a uma criança, tornando-a filha sentimental, independe da inclinação sexual adotada pelos pais ou pelas mães postiços.”
Sobre a influência no futuro sexual da criança, o mesmo espírito dá a seguinte lição : “Restará saber onde uma criança correria mais riscos, se nas ruas da amargura, vivenciando de tudo o que a sombra do abandono costuma propiciar, ou se no aconchego de um lar, mesmo que postiço, liderado por irmãos ou irmãs situados na faixa da homossexualidade. O bom senso aplicado ao conhecimento espírita leva-nos a pensar na ação de vários fatores sobre a vida do ser reencarnado, tais como experiências do seu pretérito; a bagagem intelectual e moral trazida pelo espírito; as influências espirituais às quais está sujeito; a educação que receba desde o berço; a nutrição afetivo-emocional que tenha recebido. Tudo isso somado ao livre-arbítrio de sua inteira responsabilidade, tão logo comece a ajuizar a respeito de si mesmo e da própria vida, na fase psicológica devida. Não devemos apelar para a fatalidade e supor que alguém agasalhado afetivamente por homossexuais tenha que copiar-lhes as posturas todas. Não, não pode ser assim. Caso enveredamos pela proposta fatalista, sem as considerações que apresentamos, teremos muita dificuldade em entender e explicar como é que filhos e filhas de pais heterossexuais, amados, bem instruídos e educados, se apresentam homossexuais em alguma fase de sua vida, muitas vezes desde a infância... Importante é saber que o amor em família será sempre a melhor chave para alcançarmos o íntimo dos nossos seres queridos, fazendo-nos seus amigos e confidentes, evitando-se, então, que se prostituam, que enlouqueçam, que se suicidem, instigados por ódios ou por complexos de culpa motivados pela forma preconceituosa, zombeteira ou cruel com que sejam discriminados ... Onde vibram o amor, a maturidade e a vontade de servir, tudo segue para abençoado fins”.
Assim como ocorrem com os pedidos de adoção formulados por casais heterossexuais, a autoridade judiciária competente determinará que o casal homossexual se submeta ao crivo de assistentes sociais e psicólogos, que atestarão a conveniência do deferimento do pedido por intermédio de um estudo detalhado, incluindo visita domiciliar e avaliação psicológica. A orientação sexual é fator de somenos importância.
É óbvio que nem tudo será sempre perfeito e maravilhoso. Como tudo na vida sempre haverá um risco, como também o há nos casos de adoção feita por casais heterossexuais.
Ao meu ver, antes correr esse risco e dar às crianças sujeitas à adoção a expectativa (com grande propensão de êxito) de uma vida digna, do que a todo custo tentar evitá-lo, fadando-as, sem qualquer “risco” de isso não acontecer, à marginalidade social e todas as suas conseqüências.
Que o presente texto, ainda que sem esgotar o tema, sirva mais uma vez para que todos possamos refletir sobre fatos tão relevantes, não só do ponto de vista legal, mas também religioso e ético.
Consignado fique o respeito àqueles que não concordam com a posição aqui adotada, mas que ao menos, ao argumentarem contra a adoção por casais homossexuais, o façam de maneira isenta, despida de todo e qualquer preconceito ou discriminação, já que estes sim, não podem ser admitidos e não merecem o mínimo de complacência.
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