terça-feira, 15 de abril de 2008

TEMA DO MÊS - DESABAFO (a pedido do autor seu nome será omitido, pois teme que isso o prejudique no processo de adoção pelo qual passa no momento)

Desde criança pensava em adotar uma criança quando a minha família estivesse constituída, independente de ter ou não filhos. Aliás, ter filhos era algo que praticamente não passava pela minha cabeça – corpo deformado, barriga grande, enjôos, anestesia, além de achar que nenhum homem merecia a perpetuação. Não, definitivamente gerar uma criança não “era a minha”. Estudo, trabalho e família preenchiam totalmente a minha vida, até que um dia.....tudo mudou e comecei a viver um certo tormento. Conheci uma pessoa muito especial, agora, sim, valia a pena perpetuar a espécie, junto com essa idéia os temores antigos cessaram. Mas, o resultado de um exame e a voz do médico comunicando a minha impossibilidade, não de gerar, mas de manter uma gestação até o final, porque o meu útero não sustenta o peso de um feto etc. etc., colocou um ponto na minha expectativa. Um sonho destruído, tristeza, angústia, revolta, depressão. Condenei o mundo, a vida, briguei com Deus, não suportava ver grávidas. Passei por um processo, que hoje eu sei, é comum em muitas mulheres no meu estado. Anos de espera, condenando o mundo, principalmente quando ficava sabendo noticias de crianças jogadas fora e sofrendo vários tipos de torturas e privações ou vendo mulheres paupérrimas com várias crianças e outra na barriga. Era demais, e eu podendo dar uma vida boa, digna.

Estava nesse tormento até que comecei a prestar atenção em uma frase dita por uma tia: “Talvez você irá ser mãe de outra maneira, tem tanta criança precisando de uma mãe, um lar, uma família.”. Readquiri um pouco de equilíbrio e de razão, recordei do meu sonho de infância, uma luz surgiu tênue clareando a minha alma. Tinha achado uma forma de saciar o meu instinto materno, que ficou anos adormecido, mas quando despertou, veio forte e doloroso.

Resolvi adotar, ter o meu filho por meio de outro ventre. Ao mesmo tempo que a decisão trouxe alívio, trouxe também dúvidas, incertezas, preconceitos, problemas familiares, convencer parentes que eu estava fazendo a coisa certa (afinal quem adota não é uma pessoa, mas uma família inteira) enfim, pedras, muitas pedras no caminho. Uma reportagem sobre adoção, veiculada em um jornal de minha cidade, ajudou a concretizar a idéia. Decisão tomada, resolvidos os problemas psicológicos e familiares, vamos aos práticos: como adotar!?

Procurei a Vara da Infância, pois quero fazer tudo dentro da lei. Triagem, entrevistas, documentação, reuniões e espera, muita espera. Entrei com o processo em novembro e, até hoje, não fui chamada para falar com a assistente social e com a psicóloga, portanto ainda não estou oficialmente na lista. Alegam falta de funcionários e excesso de famílias para serem entrevistadas. Enquanto isso, inúmeras crianças ficam à deriva e muitas mulheres sem filhos. Existem muitas famílias dispostas a receber uma criança, assim como, existem muitas, inúmeras crianças e adolescentes em orfanatos, mas nem todas estão “disponíveis” para adoção. Para que a criança entre na fila para ser adotada, é preciso uma “liberação” do juiz. Vários critérios são analisados e a justiça faz de tudo para que a criança fique com a mãe ou família biológica, assim, o tempo passa, as crianças crescem, perdem a chance de ter um lar e saem dos orfanatos, muitas vezes, jogados à própria sorte. Acho justo a criança ficar com a mãe/família biológica, desde que elas tenham condições para sustentá-la, não só financeiramente, como moralmente e com muito amor. Mas alguns casos são absurdos, desumanos, incoerentes e irracionais, como o de um bebê que foi entregue em uma casa de assistência, ele estava desnutrido, com ferimentos causados por cigarros (que a mãe apagava na criança para fazê-la chorar, e assim, conseguir uma “esmolinha pelo amor de Deus, pra comprar leite pro meu filho”.). Essa criança não está “disponível” para ser adotada, embora a mãe tenha sumido. E por que ela não está “disponível”? Porque o pai, ou melhor, o genitor está preso, condenado a quinze anos. Qual a utilidade desse “pai” na vida da criança? Qual a condição de vida que ele poderá dar para o filho quando sair da prisão, se é que vai querer ficar com um filho que nunca viu, com o qual não tem nenhum laço afetivo, nenhum afeto, nenhum laço construído de amor? Casos assim e outros até piores permeiam a rotina das crianças nos lares assistenciais. São atitudes assim que eu, do alto da minha vontade de ter um filho, classifico como irracionais, desumanas e incoerentes. Não acho justo que essas crianças fiquem anos esperando que as famílias biológicas resolvam se querem ou não ficar com elas, quais os benefícios e malefícios que esse ato pode causar. Às vezes penso que tudo é levado em consideração, menos o bem estar da criança, embora já me falaram que é justamente em nome do bem estar que o processo ocorre dessa forma. As incoerências não terminam por aqui, quando fui fazer a inscrição para entrar na fila, tive que levar comprovante de renda, atestado de sanidade, atestado de não ter nenhum problema de saúde física nem psicológica, declaração de estar com nenhum problema judicial, enfim tive que provar que sou uma cidadã honrada e cumpridora de seus deveres. Eu quero adotar e tenho que provar que tenho todas as condições, agora, só porque tem laços de sangue, o pai ou qualquer membro da família pode pegar a criança sem precisar provar nada. E muitas vezes, como aconteceu em caso recente, a criança ficar morando em lugares sujos e em condições subumanas, mas está com a família de sangue, embora passe necessidades.

Por causa da burocracia e da demora, muitas famílias resolvem fazer a chamada adoção a brasileira, e quando descobertas, respondem a processo. São processadas porque evitaram que uma criança fosse abortada ou abandonada em sacos de lixo dentro de rios ou lixeiras. São processadas porque não suportaram a tensão da espera. Sei que não é um ato correto, além de ser perigoso, mas sei também que é um ato de amor e até de desespero. Não tenho coragem de fazer a adoção a brasileira, mas tenho coragem de, caso saiba de alguém que não queira a criança, “furar” a fila de espera para conseguir meu tão sonhado e almejado filho. Enfim, saí de uma tortura: a de não poder ter filhos, e entrei em outra: a da longa e tensa espera na fila de adoção.

4 comentários:

Anônimo disse...

Emocionante e chocante! Que Deus ajude-a a conseguir realizar seu sonho!!

Anônimo disse...

Sabia que a adoção no Brasil não é nada simples, mas que era esse martírio, não imaginava!

Talvez o Samaritano ou algum colaborador que tenha contatos pudesse encaminhar esse relato para algum órgão da imprensa ou para alguma instância administrativa onde possa ser considerado. Não que isso vá resolver o problema, mas se as pessoas que estão dispostas a adotar conseguissem veicular os fatos, a conscientização da sociedade seria uma grande fonte de pressão.

Um casal de amigos passou por uma situação semelhante no processo de adoção dos filhos e tiveram sucesso entrando na fila de adoção do sul do país, que é bem mais organizada do que o sistema em São Paulo. As crianças lá também são mantidas em abrigos com muita assistência antes da adoção. O sucesso de sistema é ótimo e deveria servir de exemplo para todo o país. Posso conseguir um contato, caso haja interesse.

Abraço,

Tina
chrisferreira13@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Uma grande amiga minha também resolveu procurar saber mais sobre a adoção e foi a um local onde é feito o cadastro que indicaram a ela.
Ela teve uma péssima impressão de lá. Demoraram para atendê-la pois as atendentes estavam conversando e não puderam atendê-la de imediato, apesar de no momento não ter outras pessoas para serem atendidas. Além disso, falaram q seria muito difícil e um processo extremamente demorado, q era pra ela ter muita paciência.
Ela me ligou e disse que a mulher nem perguntou ao menos como eles gostariam que fosse a criança e a faixa etária que estavam procurando. Ela e o marido são negros e a atendente disse q todas as pessoas q os procuram é para adotar crianças recém-nascidas e brancas, mas ela não teve nem a chance de falar como seria o filho que gostariam de ter.
Enfim, apesar de tudo, depois de 6 meses ela acabou tendo a grande surpreza de uma gravidez e o Lucas hoje já está com 4 aninhos.
Amiga, boa sorte pra vcs!!!
A gente sabe que nada acontece por acaso!!!
Vcs receberão esta bênção maravilhosa e terão o filho tão aguardado, confiem e não cansem de lutar!!!

Unknown disse...

A comissão de Justiça e Paz tem um trabalho interessante. Não sei se entram nesta área, mas claro que facilitar a adoção seria uma forma de apaziguação social, embora eu pessoalmente ache que se facilitar demais pode estimular a irresponsabilidade paterna.
De qualquer forma os colaboradores da comissão que fazem parte do grupo de discussão poderiam verificar se há algo a ser feito. É interessante debater o tema porque talvez juntos possamos encontrar novos caminhos. Parece muita pretensão minha, mas sei que tudo começa pequeno. Que Deus abençoe os caminhos de todos nós.
Abraços
Adelina